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IFRS 16

September 09, 2019 by Roberto Ushisima

“Na dúvida, olhe para o caixa. Ele nunca vai mentir para você”, Roberto Ushisima

Empresas transmissoras de energia têm uma contabilidade peculiar. Quando analisamos efeitos caixa ou não-caixa na DRE, geralmente destacamos contas de resultado que não têm efeito caixa. No caso das transmissoras, temos uma situação diferente, em que um recebimento não tem efeito na receita. Analisando as demonstrações regulatórias, esse recebimento consta da Receita, que não deve ser muito diferente da Receita Anual Permitida (RAP) da transmissora. Porém, nas demonstrações societárias, parte da RAP é receita de O&M e parte é baixa do Ativo Financeiro da Concessão.

Mas esse não é um texto sobre transmissoras, e sim sobre IFRS16/ CPC06 a respeito de Arrendamentos Mercantis. Empresas celebram contratos de arrendamento mercantil pelos quais alugam ativos de terceiros e pagam aluguéis por isso. Até 2018, esses aluguéis eram considerados despesas e os contratos não eram contabilizados no Balanço Patrimonial. A partir de 2019, os contratos passam a ser contabilizados tanto no Ativo quanto no Passivo e são valorados como o valor presente dos aluguéis a pagar. Pela nova regra, os pagamentos já não podem mais ser considerados despesas com locação.

Para melhorar explicar essa mudança, vamos para um exemplo.

Caso da Cia. Hering

Vamos examinar um caso real de companhia já afetada pela mudança. A Cia. Hering passou a contabilizar contratos de arrendamento mercantil como um Ativo de Direito de Uso no Ativo e Arrendamento Mercantil no Passivo.

No EBITDA, reportou um aumento de R$ 6.860 mil em relação ao que seria pelas normas antigas. Mas o resultado da companhia melhorou apenas pela mudança de norma? Se EBITDA é uma aproximação da geração operacional de caixa, houve um aumento na geração operacional de caixa? Resposta: mais ou menos.

Mas vamos entender de onde veio esse R$ 6.860 mil. A empresa reportou a reconciliação do EBITDA reportado e do pro-forma sem a mudança contábil, mas eu modifiquei a tabela para torná-la mais fácil de entender.

Tabela 1.png

Em amarelo, as contas que entram no EBITDA. IR e CSLL eu inclui em separado porque a empresa juntou “Outras despesas, custos e impostos” em uma linha só. Para chegar ao EBITDA, some tudo em amarelo acima de EBITDA e subtraia IR e CSLL (que foi positivo para a Cia. Hering por conta dos incentivos fiscais). Essa soma se aplica para as três colunas.

Logo, o R$ 6.860 mil de EBITDA a mais no reportado se deve à desconsideração de parte do CPV, Despesas com Vendas e Despesas G&A. O que aconteceu aqui? A Nota Explicativa sobre despesas ajuda entender.

Tabela 2.png

As despesas com vendas de locação de imóveis caíram R$ 5.861 mil de um ano para o outro. Pelo que foi visto na outra tabela, essa despesa deveria ser R$ 5.655 mil a mais do que o reportado pelo critério novo. O mesmo raciocínio se aplica ao CPV e as despesas gerais, totalizando R$ 6.860 mil de diferença.

Ou seja, as despesas com locação, seja no CPV, despesa com vendas ou despesas gerais e administrativas foram R$ 6.860 mil menores do que deveriam apenas por conta da mudança contábil e isso aumentou o EBITDA no mesmo valor. Mas para onde foram esses R$ 6.860 mil, se é que foi para algum lugar? Como dito inicialmente, houve a contabilização de um Ativo de Direito de Uso e de um passivo de Arrendamento Mercantil. Vamos ver a movimentação dessas contas.

Tabela 3.png

O Fundo de Comércio também sofreu uma mudança de contabilização saindo do Intangível para o Ativo de Direito de Uso, mas não tem nada a ver com o caso em questão. A soma da depreciação das Lojas, Centro de Distribuição e Edificações é R$ 6.145 mil, com uma divergência de arredondamento com relação à depreciação no CPV e nas despesas da Tabela 1. Logo, isso explica o aumento na Depreciação e Amortização.

No Resultado Financeiro, temos uma linha nova para levar em conta os juros do Arrendamento Mercantil.

Tabela 4.png

Esses juros com arrendamento têm efeito caixa? Para determinar isso, é possível checar o DFC. E a resposta é: não:

tabela 5.png

Para explicar melhor, o DFC está somando de volta “variação monetária, cambial e juros” ao Caixa Gerado nas Operações porque essa conta não tem efeito caixa. O R$ 669 mil de 2018 foram os juros da dívida do ano passado, que foi zerada até o 1T 19. Mas se não tem efeito caixa, deverá obrigatoriamente ter efeito ou em outro ativo, em um passivo ou direto no Patrimônio Líquido. No caso, foi no passivo Arrendamento Mercantil, então, vamos ver a movimentação dessa conta:

Tabela 6.png

Em Juros Apropriados, encontramos o efeito da despesa com juros de arrendamento. Esses juros não afetam negativamente o caixa, mas aumentam o passivo de Arrendamento Mercantil. E qual é o sentido econômico dessa conta? O Arrendamento Mercantil é o valor presente dos aluguéis devidos. Com a passagem do tempo, esse valor presente considera um prazo menor e há um “accruamento” dos juros, aumentando o valor presente dos aluguéis.

O “Pagamento de principal e juros” no valor de R$ 6.860 mil é igual ao efeito caixa que vimos anteriormente e isso não é mera coincidência. Esse R$ 6.860 mil é em parte equivalente a R$ 6.145 mil das despesas com depreciação do Ativo de Direito de Uso e em parte o pagamento dos juros apropriados. Ou seja, dos R$ 1.302 mil de juros apropriados, uma parte (R$ 715 mil) teve efeito caixa no “Pagamento de principal e juros”. O restante, R$ 587 mil, tem efeito no resultado, mas não no caixa e é igual (tirando uma questão de arredondamento) à reconciliação do lucro líquido na Tabela 1.

Só para confirmar que esse R$ 6.860 mil tem efeito caixa:

Tabela 7.png

Ou seja, o R$ 6.860 mil que foi adicionado ao EBITDA tem efeito negativo no caixa sim. A única coisa que foi feita foi tirar esse valor das despesas. Então, mesmo olhando apenas o DFC (ou seja, os efeitos caixa) há um aumento no “Caixa Gerado pelas Operações”, mas apenas porque o efeito negativo desses aluguéis foi para o “Caixa das Atividades de Financiamento”. No final das contas, o impacto das mudanças no caixa é nulo.

Tabela 8.png

Dessa forma, as mudanças do IFRS 16 aumentaram o EBITDA? Sim. Aumentaram a geração de caixa? Não. Aumentaram a geração operacional de caixa? De certo modo sim, mas apenas porque retirou o efeito do fluxo de caixa das operações para o fluxo de caixa de financiamento.

As transmissoras foram mencionadas porque temos um caso semelhante. Onde está a despesa com locação de R$ 6.860 mil na DRE? Só para entender a contabilização. A depreciação do Ativo de Direito de Uso é uma despesa redutora do Ativo de Direito de Uso e sem efeito caixa. Os juros apropriados do resultado financeiro são uma despesa que aumenta o Arrendamento Mercantil e não tem efeito caixa. O “Pagamento de principal e juros”, redutor do Arrendamento Mercantil, tem efeito no caixa sem que haja uma despesa correspondente assim como a baixa do Ativo Financeiro da Transmissora tem um efeito positivo no caixa sem haver receita correspondente.

Tabela 9.png

Logo, não há despesa na DRE correspondente a R$ 6.860 mil. Com a mudança na contabilização, aluguéis de arrendamento mercantil passaram a ser registrados como um pagamento de arrendamento mercantil. O efeito é minimizado no lucro líquido por conta da depreciação do Ativo de Direito de Uso (ou seja, passado um trimestre, a empresa tem direito a três meses de aluguel a menos), mas vai todo para o EBITDA e mesmo para o “Caixa gerado pelas operações” do DFC.

Quanto ao efeito fiscal, nenhum ajuste precisa ser feito uma vez que a depreciação do Ativo de Direito de Uso e a despesa com juros são dedutíveis de IR e CSLL. Dessa forma, apesar de não haver mais despesa com locação, a depreciação e os juros ocupam esse espaço para fins fiscais.

No Balanço Patrimonial, o Arrendamento Mercantil entra como dívida e as empresas estão relatando Arrendamento como parte de sua dívida nos releases de resultado. Isso conta para fins de covenants da dívida e pode trazer problemas para empresas que estavam muito próxima de seus convenants. É prematuro afirmar qualquer coisa antes de algum caso concreto, mas o provável é que os credores concedam um waiver se o desrespeito às cláusulas restritivas se der meramente pelo IFRS 16.

O que fazer?

Dessa forma, o IFRS 16 tem como efeito aumentar o EBITDA e a dívida, possivelmente aumentando o endividamento medido pelo indicador Dívida/EBITDA e afetando indicadores de valuation como EV/EBITDA.

Diante disso, como devemos analisar as empresas? Na minha opinião, os analistas deveriam o máximo possível neutralizar essas mudanças. O ponto chave é que o caixa não muda de acordo com o critério contábil. O mais recomendado é fazer os cálculos dos indicadores de interesse antes e depois das mudanças do IFRS 16 procurando que as conclusões sejam o mais próximas possível.

Mesmo com essa tentativa de neutralidade por conta do efeito caixa ser nulo, é possível mudar de opinião sobre a empresa por causa do IFRS 16. É legítimo mudar de opinião no sentido de "a contabilização do Arrendamento Mercantil como dívida me fez ver riscos ocultos na empresa e agora a considero mais arriscada". Ou seja, olhando o passivo a valor presente dos aluguéis, a percepção de risco aumenta em relação à situação em que os aluguéis apareciam como despesa. Se as eventuais mudanças de opinião se basearem meramente em variações nos índices mencionados, penso que seria o caso fazer uma análise mais profunda da situação antes da mudança e ver se, a despeito das variações numéricas, não é o caso de a essência ter se mantido. Todas essas mudanças foram feitas na busca por fazer com que a essência contábil prevaleça sobre a forma. Se as conclusões mudarem por causa da forma e não da essência, derrota o propósito de todas essas modificações.

September 09, 2019 /Roberto Ushisima
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